No Caminho de Emaús
03º
Domingo da Páscoa - Ano A
Rev.
Edson Cortasio Sardinha
Hoje
o Livro de Oração Comum (protestante do século XVI) traz a seguinte coleta
(oração): “ Deus Todo-poderoso, tu mostras a luz da verdade aos que erram
para que regressem ao caminho da retidão; ajuda os que são de Cristo a
renunciar a tudo que se oponha à fé que professam e a andar nos passos do
divino Mestre. Mediante Jesus Cristo, nosso Senhor. Amém”.
O
Evangelho de hoje (Lucas 24.13-25) fala do Senhor auxiliando seus discípulos a
voltarem ao caminho da fé.
O terceiro domingo da Páscoa é um
convite a descobrir o Senhor que acompanha os homens e mulheres pelos caminhos
da vida, aviva com a sua Palavra os corações magoados, decepcionados e
desolados, se revela sempre que a comunidade dos discípulos se reúne para
“partir o pão”; e apela para que todos sejam testemunhas da ressurreição.
A história que o Evangelho deste
domingo nos apresenta é exclusiva de Lucas: nenhum outro evangelista a refere.
O texto põe-nos a caminhar com dois discípulos de Jesus que, no dia de Páscoa,
vão de Jerusalém para Emaús.
De acordo com o autor do texto, os
dois homens dirigiam-se para uma aldeia chamada Emaús, a sessenta estádios de
Jerusalém (cerca de 10 quilômetros). Uma localidade com esse nome, a essa
distância de Jerusalém é, no entanto, desconhecida… Pensou-se que o texto
poderia referir-se a Amwas, uma localidade situada a cerca de trinta quilômetros
a oeste de Jerusalém (alguns manuscritos antigos não falam de sessenta
estádios, mas de cento e sessenta estádios, o que nos colocaria no sítio
certo); no entanto, parece ser uma distância excessiva para percorrer num dia,
sem paragens e a conversar despreocupadamente.
A cena coloca-nos, em primeiro
lugar, diante de dois discípulos que vão a caminho de Emaús. Um chama-se
Cléofas; o outro não é identificado. Os dois estão, nitidamente, tristes e
desanimados, pois os seus sonhos de triunfo e de glória ao lado de Jesus ruíram
pela base, aos pés de uma cruz. Esse Messias poderoso, capaz de derrotar os
opressores, de restaurar o reino grandioso de Davi (”nós esperávamos que fosse
Ele quem havia de libertar Israel”) e de distribuir benesses e honras aos seus
colaboradores diretos revelou-se, afinal, um fracasso.
Rev. Edson Sardinha nas ruínas de Emaús |
Em lugar de triunfar, deixou-Se
matar numa cruz; e a sua morte é um fato consumado pois ”é já o terceiro dia
depois que isto aconteceu” (o ”terceiro dia” após a morte é o dia da morte
definitiva, do não regresso do túmulo). Abandonam a comunidade – que,
doravante, não parece fazer qualquer sentido – e regressam à sua aldeia,
dispostos a esquecer do sonho, a pôr os pés na terra e a enfrentar, de novo,
uma vida dura e sem esperança.
A discussão entre eles a propósito
de ”tudo o que tinha acontecido” (v. 14) deve entender-se neste enquadramento:
é essa partilha solidária dos sonhos desfeitos que torna menos doloroso o
desencanto.
Na sequência, o autor do relato
introduz no quadro uma nova personagem: Jesus. Ele faz-se companheiro de viagem
destes discípulos em caminhada, interroga-os sobre ”o que se passou nestes
dias” em Jerusalém, escuta as suas preocupações, torna-se o confidente da sua
frustração. Os dois homens contam a história do ”mestre” cuja proposta os
seduziu; mas a versão que contam termina no túmulo: falta, na sua descrição, a
fé no Senhor ressuscitado – ainda que conheçam a tradição do túmulo vazio.
Para responder às inquietações dos
dois discípulos e para lhes demonstrar que o projeto de Deus não passava por
quadros de triunfo humano, mas pelo amor até às últimas consequências e pelo
dom da vida, ”começando por Moisés e passando pelos profetas, explicou-lhes em
todas as Escrituras o que lhe dizia respeito”. É
na escuta e na partilha da Palavra que o plano salvador de Deus ganha sentido:
só através da Palavra de Deus – explicada, meditada e acolhida – o crente pode
perceber que o amor até às últimas consequências e o dom da vida não são um
fracasso, mas geram vida nova e definitiva. A escuta da Palavra de Deus dá a
entender ao crente a lógica de Deus e demonstra-lhe que a vida oferecida como
dom não é perdida, mas é semente de vida plena. Os discípulos percebem, então,
que ”o messias tinha de sofrer tudo isso para entrar na glória”: a vida plena e
definitiva não está – de acordo com os esquemas de Deus – nos êxitos humanos,
nos tronos, no poder; mas está na cruz.
Os três (Jesus, Cléofas e o
discípulo não identificado) chegam, finalmente, a Emaús. Os discípulos
continuam a não reconhecer Jesus, mas convidam-no a ficar com eles. Ele aceita
e sentam-se à mesa. Enquanto comiam, Jesus ”tomou o pão, recitou a bênção,
partiu-o e entregou-lhes”. As palavras usadas por Lucas para descrever os
gestos de Jesus evocam a celebração da Santa Ceia (eucarística) da Igreja
primitiva. Dessa forma, Lucas recorda aos membros da sua comunidade que é
possível encontrar Jesus vivo e ressuscitado – esse Jesus que por amor
enfrentou a cruz, mas que continua a fazer-se companheiro de caminhada dos
homens e mulheres nos caminhos da história – na celebração da Santa Ceia, no
Culto, adoração, na comunhão da assembleia reunida: sempre que os irmãos se
reúnem em nome de Jesus para ”partir o pão”, Jesus lá está, vivo e atuante, no
meio deles.
A última cena da nossa história põe
os discípulos a retomar o caminho, a regressar a Jerusalém e a anunciar aos
irmãos que Jesus está, efetivamente, vivo.
O texto deixa uma mensagem muito
importante: depois de fazer a experiência do encontro com Cristo vivo e
ressuscitado na acolhida da Palavra e na celebração do partir o pão, cada
crente é, implicitamente, convidado a voltar à estrada, a dirigir-se ao
encontro dos irmãos e irmãs, e a testemunhar que Jesus está vivo e presente na
história e na caminhada dos homens e mulheres.
Irmã Marisa nas escadas do Mosteiro de Latrum, em Emaús |
Referência: Texto
adaptado de Joaquim Garrido, Manuel Barbosa, José Ornelas Carvalho da Província
Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos). LISBOA – Portugal.
A música “Ao partir do pão”, de Wlamir Alencar, fala-nos sobre o encontro de Jesus com os discípulos de Emaús.
LETRA DA MÚSICA “AO PARTIR DO PÃO”
Quem podia imaginar
que aquela cruz
era só o começo
de uma história de amor.
que aquela cruz
era só o começo
de uma história de amor.
Comentavam com grande dor
tudo o que se passou
e jamais esperavam
reencontrar o senhor.
tudo o que se passou
e jamais esperavam
reencontrar o senhor.
Aconteceu sem mesmo esperar
ele apareceu em meio aos dicípulos
a caminhar
ele apareceu em meio aos dicípulos
a caminhar
Falava de amor
e o som de sua voz
abrasava os seus corações,
e diziam:
e o som de sua voz
abrasava os seus corações,
e diziam:
Senhor fica conosco
é tarde e o dia declina
quase sem esperança
partimos sem direção.
é tarde e o dia declina
quase sem esperança
partimos sem direção.
Mas ao redor da mesa
se abriram os nossos olhos
te reconhecemos
ao partir do pão.
se abriram os nossos olhos
te reconhecemos
ao partir do pão.
Já não chore Jeruzalém
a alegria voltou.
Teu senhor está vivo
ele ressucitou.
a alegria voltou.
Teu senhor está vivo
ele ressucitou.