terça-feira, 27 de maio de 2014

Dia da Ascensão do Senhor

Dia da Ascensão do Senhor
Rev. Edson Cortasio Sardinha



            Em 2013 estive pela primeira vez na Capela da Ascensão. Esta Capela pertence aos mulçumanos, contudo um dia pertenceu a igreja dos Cruzados que separaram, segundo uma antiga tradição, este lugar do Monte das Oliveiras para celebrar a Ascensão do Senhor. Em Jerusalém esta festa é celebrada na quinta-feira da sexta semana da Páscoa em Jerusalém.
            Encontrei um excelente texto sobre a Ascensão do Senhor baseado em Atos dos Apóstolos no site dos dehonianos de Portugal e fiz um resumo para a nossa edificação.
           A Festa da Ascensão de Jesus sugere que, no final do caminho percorrido no amor e na doação, está a vida definitiva, a comunhão com Deus. Sugere também que Jesus nos deixou o testemunho e que somos nós, seus seguidores, que devemos continuar a realizar o projeto libertador de Deus para os homens e para o mundo.

I. Ambiente
            O livro dos “Atos dos Apóstolos” dirige-se a comunidades que vivem num certo contexto de crise. Estamos na década de 80, cerca de cinqüenta anos após a morte de Jesus. Passou já a fase da expectativa pela vinda iminente do Cristo glorioso para instaurar o “Reino” e há uma certa desilusão. As questões doutrinais trazem alguma confusão; a monotonia favorece uma vida cristã pouco comprometida e as comunidades instalam-se na mediocridade; falta o entusiasmo e o empenho… O quadro geral é o de um certo sentimento de frustração, porque o mundo continua igual e a esperada intervenção vitoriosa de Deus continua adiada. Quando vai concretizar-se, de forma plena e inequívoca, o projeto salvador de Deus?
            É neste ambiente que podemos inserir o texto que hoje nos é proposto como primeira leitura. Nele, o catequista Lucas avisa que o projeto de salvação e de libertação que Jesus veio apresentar passou (após a ida de Jesus para junto do Pai) para as mãos da Igreja, animada pelo Espírito. A construção do “Reino” é uma tarefa que não está terminada, mas que é preciso concretizar na história e exige o empenho contínuo de todos os crentes. Os cristãos são convidados a redescobrir o seu papel, no sentido de testemunhar o projeto de Deus, na fidelidade ao “caminho” que Jesus percorreu.

II. Mensagem
            O nosso texto começa com um prólogo (vers. 1-2) que relaciona os “Atos” com o 3º Evangelho – quer na referência ao mesmo Teófilo a quem o Evangelho era dedicado, quer na alusão a Jesus, aos seus ensinamentos e à sua ação no mundo (tema central do 3º Evangelho). Neste prólogo são também apresentados os protagonistas do livro – o Espírito Santo e os apóstolos, ambos vinculados com Jesus.
            Depois da apresentação inicial, vem o tema da despedida de Jesus (vers. 3-8). O autor começa por fazer referência aos “quarenta dias” que mediaram entre a ressurreição e a ascensão, durante os quais Jesus falou aos discípulos “a respeito do Reino de Deus”. O número quarenta é, certamente, um número simbólico: é o número que define o tempo necessário para que um discípulo possa aprender e repetir as lições do mestre.
            Aqui define, portanto, o tempo simbólico de iniciação ao ensinamento do Ressuscitado. As palavras de despedida de Jesus (vers. 4-8) sublinham dois aspectos: a vinda do Espírito e o testemunho que os discípulos vão ser chamados a dar “até aos confins do mundo”. Temos aqui resumida a experiência missionária da comunidade de Lucas: o Espírito irá derramar-se sobre a comunidade crente e dará a força para testemunhar Jesus em todo o mundo, desde Jerusalém a Roma. Na realidade, trata-se do programa que Lucas vai apresentar ao longo do livro, posto na boca de Jesus ressuscitado.
            O autor quer mostrar com a sua obra que o testemunho e a pregação da Igreja estão entroncados no próprio Jesus e são impulsionados pelo Espírito.
            O último tema é o da ascensão (vers. 9-11). Evidentemente, esta passagem necessita de ser interpretada para que, através da roupagem dos símbolos, a mensagem apareça com toda a claridade.
Temos, em primeiro lugar, a elevação de Jesus ao céu (vers. 9a). A ascensão é uma forma de expressar, simbolicamente, que a exaltação de Jesus é total e atinge dimensões supra-terrenas; é a forma literária de descrever o culminar de uma vida vivida para Deus, que agora reentra na glória da comunhão com o Pai.
Temos, depois, a nuvem (vers. 9b) que subtrai Jesus aos olhos dos discípulos. Pairando a meio caminho entre o céu e a terra a nuvem é, no Antigo Testamento, um símbolo privilegiado para exprimir a presença do divino (cf. Ex 13,21.22; 14,19.24; 24,15b-18; 40,34-38). Ao mesmo tempo, simultaneamente, esconde e manifesta: sugere o mistério do Deus escondido e presente, cujo rosto o Povo não pode ver, mas cuja presença adivinha nos acidentes da caminhada. Céu e terra, presença e ausência, luz e sombra, divino e humano, são dimensões aqui sugeridas a propósito de Cristo ressuscitado, elevado à glória do Pai, mas que continua a caminhar com os discípulos.
            Temos, ainda, os discípulos a olhar para o céu (vers. 10a). Significa a expectativa dessa comunidade que espera ansiosamente a segunda vinda de Cristo, a fim de levar ao seu termo o projeto de libertação do homem e do mundo. Temos, finalmente, os dois homens vestidos de branco (vers. 10b). O branco sugere o mundo de Deus – o que indica que o seu testemunho vem de Deus. Eles convidam os discípulos a continuar no mundo, animados pelo Espírito, a obra libertadora de Jesus; agora, é a comunidade dos discípulos que tem de continuar na história a obra de Jesus, embora com a esperança posta na segunda e definitiva vinda do Senhor.
            O sentido fundamental da ascensão não é que fiquemos a admirar a elevação de Jesus; mas é convidar-nos a seguir o “caminho” de Jesus, olhando para o futuro e entregando-nos à realização do seu projeto de salvação no meio do mundo.

Conclusão
            A ressurreição/ascensão de Jesus garante-nos, antes de mais, que uma vida, vivida na fidelidade aos projetos do Pai, é uma vida destinada à glorificação, à comunhão definitiva com Deus. Quem percorre o mesmo “caminho” de Jesus subirá, como Ele, à vida plena.
            A ascensão de Jesus recorda-nos, sobretudo, que Ele foi elevado para junto do Pai e nos encarregou de continuar a tornar realidade o seu projeto libertador no meio dos homens e mulheres, nossos irmãos. É essa a atitude que tem marcado a caminhada histórica da Igreja? Ela tem sido fiel à missão que Jesus, ao deixar este mundo, lhe confiou?
            O nosso testemunho tem transformado e libertado a realidade que nos rodeia? Qual o real impacto desse testemunho na nossa família, no local onde desenvolvemos a nossa atividade profissional, na nossa comunidade cristã ou religiosa?
            É relativamente freqüente ouvirmos dizer que os seguidores de Jesus gostam mais de olhar para o céu do que comprometerem-se na transformação da terra. Estamos, efetivamente, atentos aos problemas e às angústias dos homens, ou vivemos de olhos postos no céu, num espiritualismo alienado? Sentimo-nos questionados pelas inquietações, pelas misérias, pelos sofrimentos, pelos sonhos, pelas esperanças que enchem o coração dos que nos rodeiam? Sentimo-nos solidários com todos os homens, particularmente com aqueles que sofrem?


Referência: http://www.dehonianos.org

sexta-feira, 2 de maio de 2014

No Caminho de Emaús

No Caminho de Emaús
03º Domingo da Páscoa - Ano A
Rev. Edson Cortasio Sardinha
                      


            Hoje o Livro de Oração Comum (protestante do século XVI) traz a seguinte coleta (oração): “ Deus Todo-poderoso, tu mostras a luz da verdade aos que erram para que regressem ao caminho da retidão; ajuda os que são de Cristo a renunciar a tudo que se oponha à fé que professam e a andar nos passos do divino Mestre. Mediante Jesus Cristo, nosso Senhor. Amém”.
            O Evangelho de hoje (Lucas 24.13-25) fala do Senhor auxiliando seus discípulos a voltarem ao caminho da fé.
            O terceiro domingo da Páscoa é um convite a descobrir o Senhor que acompanha os homens e mulheres pelos caminhos da vida, aviva com a sua Palavra os corações magoados, decepcionados e desolados, se revela sempre que a comunidade dos discípulos se reúne para “partir o pão”; e apela para que todos sejam testemunhas da ressurreição.
            A história que o Evangelho deste domingo nos apresenta é exclusiva de Lucas: nenhum outro evangelista a refere. O texto põe-nos a caminhar com dois discípulos de Jesus que, no dia de Páscoa, vão de Jerusalém para Emaús.
            De acordo com o autor do texto, os dois homens dirigiam-se para uma aldeia chamada Emaús, a sessenta estádios de Jerusalém (cerca de 10 quilômetros). Uma localidade com esse nome, a essa distância de Jerusalém é, no entanto, desconhecida… Pensou-se que o texto poderia referir-se a Amwas, uma localidade situada a cerca de trinta quilômetros a oeste de Jerusalém (alguns manuscritos antigos não falam de sessenta estádios, mas de cento e sessenta estádios, o que nos colocaria no sítio certo); no entanto, parece ser uma distância excessiva para percorrer num dia, sem paragens e a conversar despreocupadamente.
            A cena coloca-nos, em primeiro lugar, diante de dois discípulos que vão a caminho de Emaús. Um chama-se Cléofas; o outro não é identificado. Os dois estão, nitidamente, tristes e desanimados, pois os seus sonhos de triunfo e de glória ao lado de Jesus ruíram pela base, aos pés de uma cruz. Esse Messias poderoso, capaz de derrotar os opressores, de restaurar o reino grandioso de Davi (”nós esperávamos que fosse Ele quem havia de libertar Israel”) e de distribuir benesses e honras aos seus colaboradores diretos revelou-se, afinal, um fracasso.
Rev. Edson Sardinha nas ruínas de Emaús
            Em lugar de triunfar, deixou-Se matar numa cruz; e a sua morte é um fato consumado pois ”é já o terceiro dia depois que isto aconteceu” (o ”terceiro dia” após a morte é o dia da morte definitiva, do não regresso do túmulo). Abandonam a comunidade – que, doravante, não parece fazer qualquer sentido – e regressam à sua aldeia, dispostos a esquecer do sonho, a pôr os pés na terra e a enfrentar, de novo, uma vida dura e sem esperança.
            A discussão entre eles a propósito de ”tudo o que tinha acontecido” (v. 14) deve entender-se neste enquadramento: é essa partilha solidária dos sonhos desfeitos que torna menos doloroso o desencanto.
            Na sequência, o autor do relato introduz no quadro uma nova personagem: Jesus. Ele faz-se companheiro de viagem destes discípulos em caminhada, interroga-os sobre ”o que se passou nestes dias” em Jerusalém, escuta as suas preocupações, torna-se o confidente da sua frustração. Os dois homens contam a história do ”mestre” cuja proposta os seduziu; mas a versão que contam termina no túmulo: falta, na sua descrição, a fé no Senhor ressuscitado – ainda que conheçam a tradição do túmulo vazio.
            Para responder às inquietações dos dois discípulos e para lhes demonstrar que o projeto de Deus não passava por quadros de triunfo humano, mas pelo amor até às últimas consequências e pelo dom da vida, ”começando por Moisés e passando pelos profetas, explicou-lhes em todas as Escrituras o que lhe dizia respeito”. É na escuta e na partilha da Palavra que o plano salvador de Deus ganha sentido: só através da Palavra de Deus – explicada, meditada e acolhida – o crente pode perceber que o amor até às últimas consequências e o dom da vida não são um fracasso, mas geram vida nova e definitiva. A escuta da Palavra de Deus dá a entender ao crente a lógica de Deus e demonstra-lhe que a vida oferecida como dom não é perdida, mas é semente de vida plena. Os discípulos percebem, então, que ”o messias tinha de sofrer tudo isso para entrar na glória”: a vida plena e definitiva não está – de acordo com os esquemas de Deus – nos êxitos humanos, nos tronos, no poder; mas está na cruz.
            Os três (Jesus, Cléofas e o discípulo não identificado) chegam, finalmente, a Emaús. Os discípulos continuam a não reconhecer Jesus, mas convidam-no a ficar com eles. Ele aceita e sentam-se à mesa. Enquanto comiam, Jesus ”tomou o pão, recitou a bênção, partiu-o e entregou-lhes”. As palavras usadas por Lucas para descrever os gestos de Jesus evocam a celebração da Santa Ceia (eucarística) da Igreja primitiva. Dessa forma, Lucas recorda aos membros da sua comunidade que é possível encontrar Jesus vivo e ressuscitado – esse Jesus que por amor enfrentou a cruz, mas que continua a fazer-se companheiro de caminhada dos homens e mulheres nos caminhos da história – na celebração da Santa Ceia, no Culto, adoração, na comunhão da assembleia reunida: sempre que os irmãos se reúnem em nome de Jesus para ”partir o pão”, Jesus lá está, vivo e atuante, no meio deles.
            A última cena da nossa história põe os discípulos a retomar o caminho, a regressar a Jerusalém e a anunciar aos irmãos que Jesus está, efetivamente, vivo.
            O texto deixa uma mensagem muito importante: depois de fazer a experiência do encontro com Cristo vivo e ressuscitado na acolhida da Palavra e na celebração do partir o pão, cada crente é, implicitamente, convidado a voltar à estrada, a dirigir-se ao encontro dos irmãos e irmãs, e a testemunhar que Jesus está vivo e presente na história e na caminhada dos homens e mulheres.
        
Irmã Marisa nas escadas do Mosteiro de Latrum, em Emaús
    Emaús é a nossa história de cada dia: os nossos olhos fechados que não reconhecem o Ressuscitado, os nossos corações que duvidam fechados na tristeza, os nossos velhos sonhos vividos com decepção, o nosso caminho, talvez, afastando-se do Ressuscitado. N’Ele, durante este tempo, ajustemos os passos para que Ele possa caminhar junto de nós no caminho da vida. Há urgência em abrir os nossos olhos para reconhecer a sua Presença e a sua ação no coração do mundo e para levar a Boa Notícia: Jesus Ressuscitou! Ele ressuscitou realmente!

Referência: Texto adaptado de Joaquim Garrido, Manuel Barbosa, José Ornelas Carvalho da Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos). LISBOA – Portugal.


A música “Ao partir do pão”, de Wlamir Alencar, fala-nos sobre o encontro de Jesus com os discípulos de Emaús.



     LETRA DA MÚSICA “AO PARTIR DO PÃO”


Quem podia imaginar
que aquela cruz
era só o começo
de uma história de amor.
Comentavam com grande dor
tudo o que se passou
e jamais esperavam
reencontrar o senhor.
Aconteceu sem mesmo esperar
ele apareceu em meio aos dicípulos
a caminhar
Falava de amor
e o som de sua voz
abrasava os seus corações,
e diziam:
Senhor fica conosco
é tarde e o dia declina
quase sem esperança
partimos sem direção.
Mas ao redor da mesa
se abriram os nossos olhos
te reconhecemos
ao partir do pão.
Já não chore Jeruzalém
a alegria voltou.
Teu senhor está vivo
ele ressucitou.