quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Como a oração litúrgica está salvando nossa comunidade

Jonathan Wilson-Hartgrove

Como a oração litúrgica está salvando nossa comunidade
Por Jonathan Wilson-Hartgrove

Se os batistas com os quais eu cresci na Carolina do Norte rural me ensinaram algo foi a amar a Jesus e à Bíblia. Fazendeiros e operários de fábrica, meu pessoal tinha grandes expectativas de mim. Eles enfatizavam a educação e me enviaram com tudo o que necessitava para ver o mundo. Mas não importava quão longe eu fosse, eles se asseguraram que eu saberia que Jesus e a Bíblia estavam no centro de tudo. Jesus era nosso Senhor e Salvador, a resposta final para as maiores questões da vida e os desejos mais profundos do meu coração. Na Escola Dominical eu aprendi a conhecer Jesus através da Bíblia. As Sagradas Escrituras era nossa companhia constante. Memorizamos capítulo e versículos.
Quando outros me mostraram mais de 2 mil versículos sobre os pobres, a paixão do meu pessoal pelas Escrituras me levaram a conectar o discipulado com a justiça. Jesus tinha convidado claramente seus seguidores para um novo relacionamento com Deus: "Quem me vê, vê o Pai" (João 14.9). E mais: Jesus deixou claro que este novo relacionamento implica transformação pessoal: "Ninguém pode ver o Reino de Deus, se não nascer de novo" (João 3.3). A consciência disso definiu minha percepção sobre como eu devo me relacionar com outras pessoas. Quanto mais eu prestava atenção à Bíblia, mais parecia que meu relacionamento com Jesus era inseparável de meu relacionamento com os rejeitados e ignorados pela sociedade: "Pois eu tive fome, e vocês me deram de comer", disse Jesus, "fui estrangeiro, e vocês me acolheram... o que vocês fizeram a algum dos meus menores irmãos, a mim o fizeram" (Mateus 25.35, 40).
Assim, segui a Jesus até a Casa Rutba, uma nova comunidade monástica em Durham, Carolina do Norte. Comunidades como a nossa se estabelecem nas cidades, abrem suas casas aos sem-teto, visitam prisões, cultivam jardins em terrenos abandonados e cozinham panelões de sopa para compartilhar com os vizinhos — porque queremos acolher Jesus. A Bíblia que me ensinaram a guardar como um tesouro me preparou para encontrar Jesus num lugar como este. Mas quando Jesus bate na nossa porta, ele traz amigos esmagados pela pobreza, racismo, drogas, abuso, prostituição e exploração. Nós os acolhemos, entendendo que Deus nos reuniu, mas não estamos nunca seguros de como fazer funcionar.
Isto nos leva a orar porque precisamos de ajuda. Tentamos restaurar nossos amigos, como temos tentado fazê-lo conosco, mas temos visto o bastante para saber que esta é uma rua sem saída. Jesus salva mas ele não usa uma varinha mágica e conserta tudo. Logo nos demos conta de que nossos recursos de oração eram inadequados. Precisávamos de poços mais fundos. Encontramos na antiga prática cristã da oração litúrgica.
Voltando-se para a liturgia
Alguns anos depois de começar a comunidade da Casa Hutba, recebi uma carta de uma comunidade beneditina de Minnesota. Eles se sentiram encorajados ao ouvir de cristãos como nós vivendo juntos e trabalhando pela paz e a justiça. Mas eles sabiam de quase 1500 anos de experiência que viver em comunidade pode ser difícil. Convidaram-me para ir ao mosteiro deles e se ofereceram para pagar minha viagem. Alguém estava ouvindo nossas orações.
Um irmão do mosteiro me deu uma cópia da Regra de São Bento, que tem orientado muitas comunidades monásticas desde o século sexto. Menos de seis frases na primeira página, eu reconheci a voz de um amante da Bíblia: "Levantemo-nos então finalmente, pois a Escritura nos desperta...". O que veio depois foi um convite à comunidade que ecoou repetidamente as palavras que tinha guardado no coração. Aqui no mosteiro a Bíblia também apontava para Jesus.
E para a oração. Os beneditinos também têm um conjunto de práticas comuns — uma tradição de disciplinas espirituais — que moldam e disciplinam seu amor por Deus e pelas Escrituras. Um sino toca na igreja no centro do mosteiro, e eu sigo os homens em batinas pretas para a oração do meio-dia. "Ó Deus, vinde em meu auxílio", entona uma voz solene. "Apressai-vos, Senhor, em socorrer-me". Eu fui alcançado na liturgia, seus ritmos tranquilizando minha alma ansiosa e cansada.
Como evangélico, cresci sabendo que o momento decisivo na vida é a experiência de conversão — um encontro radical com o Cristo vivo que nos afasta do pecado e egoísmo para a vida que fomos preparados para viver. Quando conheci os beneditinos, aprendi que eles eram também insistentes sobre conversão. Segundo a Regra, quando um irmão ou irmã se junta à comunidade, prometem três coisas: estabilidade, obediência e conversatio morum — o ritmo monástico de oração e trabalho que é, ele mesmo, um caminho de conversão. Os beneditinos creem em uma experiência de conversão que aconteceu não apenas uma mas em cada retorno à oração comum. Relembrados do poder sustentador de Cristo, eles retiram da oração litúrgica a força para continuar.
Encontrando um novo "nós"
Os beneditinos não foram o único grupo a compartilhar suas tradições litúrgicas. Um fransciscano que encontramos numa delegação de paz no deserto do Arizona abriu seu breviário e nos ensinou orações. Alguns episcopais se juntaram à comunidade trazendo o Livro de Oração Comum (que, a propósito, pegou muita coisa emprestada dos beneditinos). Movimentos contemporâneos como a Comunidade Northumbria, na Inglaterra, e a Comunidade de Sant'Egidio, na Itália, compartilharam suas liturgias. Começamos a estruturar um ritmo diário de oração, nos reunindo antes do trabalho nas manhãs e antes de ir dormir à noite. Foi um grande presente ter, no fim de um dia longo, palavras melhores que poderíamos imaginar individualmente. Um mentor disse para nós: "Mesmo que tudo o mais desmorone, você sabe que chegará em casa e orará com os outros".
No coração de cada liturgia, encontramos uma oração familiar: o Pai Nosso. Aprendemos que ela tem estado no centro da oração estruturada desde o documento mais antigo de ensino cristão, o Didaché, que instruía os fiéis a dizer o Pai Nosso três vezes ao dia. Ele ecoa através dos credos que nos ajudaram a afirmar nossa fé, dos Salmos que nos ensinaram a lutar de modo sincero com Deus, e das orações antigas pelos mortos, que estão vivos dentro de nós em Cristo. Este novo "nós", estendendo-se pela história, também se estende através dos fusos horários, como um revezamento passando um bastão de oração ao redor do mundo cada dia, manifestando a unidade da igreja. A oração litúrgica nos ensina a relembrarmos irmãs e irmãos que estão separados de nós meio mundo (ou meio milênio).
Esta família de fé nos traz à memória seus "santos", no dia morte de cada um, celebrando as diversas maneiras como eles assumiram a cruz. Seus exemplos heróicos ajudam novas comunidades monásticas como a nossa a cumprir o que alguns chamam de "evangelização encarnacional". Recordar que Deus veste-se do humano para reivindicar a criação. Jesus se mudou para a vizinhança, diz Eugene Peterson, como a Casa Rutba se mudou para Durham. Mas as particularidades de tempo e espaço moldam cada vida com Deus, e nossos bairros não parecem muito com a Galiléia da Palestina do primeiro século. Trazer à lembrança os santos em nossas orações diárias ensina-nos como Deus tem reivindicado as vidas humanas através da história. Depois de 2 mil anos, temos muitos exemplos inspiradores. De vez em quando, você se dá conta, algum deles poderia ser eu.
No início de nossa vida comunitária, lemos sobre Antônio do Egito, que deixou uma vida privilegiada para desbravar o deserto e lutar com o diabo. Orando entre as "bestas selvagens" dos espaços abandonados, Antonio aprendeu os limites de sua própria capacidade e o poder incrível do nome de Jesus. Orando na participação de um "nós" que incluiu Antonio, vimos nosso bairro economicamente em crise como um "lugar abandonado" em nossa sociedade. Embora os demônios do vício e da injustiça sistêmica parecessem implacáveis, a vida de Antonio nos encorajou a orar e viver com confiança que Jesus prevaleceria. Sustentado por um novo nós, esta grande nuvem de testemunhas, perseveramos no nosso trabalho.
Todo o tempo do mundo
Bairros como o nosso — onde reina uma injustiça evidente— te deixa indignado ao ponto de você dizer: "Chega. Isto tem que acabar". Alguns ativistas marcham e fazem manifestações, vão à prefeitura e à prisão por causa de ideais abstratos. Mas a maioria das pessoas com as quais tenho sido algemado são motivadas por injustiças que eles testemunharam de primeira mão. Eu nunca me esquecerei da noite quando, tentando parar uma execução, fui para a cadeia com um homem que tinha sido libertado por um teste de DNA depois de 15 anos no corredor da morte. Tudo o que ele disse foi: "Eu odeio estar preso, mas não posso ficar aqui olhando eles matarem um homem como eu".
Entre as canções que os ativistas herdaram do movimento de direitos civis há um spiritual que diz: "Nós que acreditamos na liberdade não podemos descansar até que ela chegue". Isto ressoa especialmente quando as pessoas que conheço estão sofrendo. Embora você possa gostar de férias, apenas pensar em dar uma escapada enquanto seus amigos não têm lugar para descansar suas cabeças ou comida para comer, deixa um gosto amargo na boca.
É por isso que tantos ativistas, cristãos e não-cristãos, experimentam o esgotamento físico e mental. Há sempre mais para fazer e muitas razões para fazê-lo. Assim, vamos em frente, mergulhamos fundo e tentamos dar um pouco mais. Gente boa tem morrido fazendo isto. Tenho visto com meus próprios olhos.
Mas não temos de nos desesperar. Uma das lições mais importantes que tenho aprendido da oração litúrgica é que, pela graça de Deus, temos todo o tempo do mundo para fazer o trabalho do reino de Cristo. Paramos para orar de manhã, ao meio-dia e de noite como uma confissão de que nosso trabalho não depende de nossos esforços, mas da fidelidade de um Deus que já redimiu toda a criação. Oramos com o Arcebispo Oscar Romero, mártir de El Salvador: "Nada do que fazemos é completo, que é outra forma de dizer que o reino sempre nos transcende... Somos pedreiros, não mestres de obras; ministros, não o Messias. Somos profetas de um futuro que não é nosso".
Como o passado, cuja sabedoria nos guia, o futuro também é um dom. Não o alcançamos através de nossos esforços mas o recebemos com gratidão, na medida em que aprendemos a canção eterna ressoando ao redor do trono de Deus: "Santo, Santo, Santo!" cantamos, com anjos e arcanjos e todos os santos que chegaram antes de nós. "Céus e terra são cheios da sua glória". Assim retomamos nosso trabalho até chegar a hora, no devido tempo, de se reunir e cantar novamente. Este é o tipo de vida que você pode experimentar para sempre.

Publicado anteriormente em 
http://www.christianitytoday.com/ct/2011/may/joiningeternalsong.html?start=1