Quaresma: O Início do Ciclo da Pascal
Minha casa já está decorada para a Quaresma. Prevalece a cor roxa. É um período de jejum em família. Um momento muito rico para a nossa espiritualidade. Parece que vivemos o período litúrgico em nosso próprio corpo. Tudo muda. A partir da quarta-feira de cinzas tem início uma preparação para a Semana Santa. Tento viver cada período litúrgico celebrado pela Igreja.
Leio com a família o livro mais amado por Wesley depois da Bíblia: O Livro de Oração Comum. Na quarta-feira de Cinzas somos convidados a orar:
Onipotente e Eterno Deus, que amas tudo quanto criaste, e que perdoas a todos os penitentes; cria em nós corações novos e contritos, para que, lamentando deveras os nossos pecados e confessando a nossa miséria, alcancemos de ti, Deus de suma piedade, perfeita remissão e perdão; por nosso Senhor Jesus Cristo, que vive e reina contigo e com o Espírito Santo, um só Deus, agora e sempre. Amém
No primeiro domingo da Quaresma, na oração em família dizemos:
Onipotente Deus, cujo bendito Filho foi conduzido pelo Espírito para ser tentado pelo demônio, apressa-te em socorrer a nós, que somos assaltados por muitas tentações, nós te rogamos. E, assim como conheces as fraquezas de cada um de nós, permite que cada qual encontre em ti o poder de salvação. Por Jesus Cristo teu Filho, nosso Senhor, que vive e reina contigo e com o Espírito Santo, um só Deus, agora e sempre. Amém.
Na verdade este não é um caminho criado por minha família. A Igreja Metodista caminha em torno de dois Ciclos litúrgicos. O Ciclo do Natal e o Ciclo Pascal. Cada Ciclo tem quatro celebrações litúrgicas. No Ciclo do Natal celebramos: Advento (quatro domingos antes do natal); Natal (nascimento de Cristo); Epifania (Manifestação do Senhor – Segundo domingo depois do Natal) e Batismo do Senhor.
No Ciclo Pascoal celebramos: Quaresma (da quarta-feira de Cinzas até o Domingo de Ramos); Semana Santa; Páscoa e Pentecostes.
Entre um ciclo e outro a Igreja Anuncia o Reino e Celebra o Reino através do Tempo Comum (geralmente o Tempo comum são 34 semanas).
Através dos períodos litúrgicos, celebramos o Mistério de Deus: Cristo Jesus.
A Quaresma abre o Ciclo Pascal. O Centro do Culto é a ressurreição do Senhor Jesus. A Quaresma é uma longa caminhada de Exercícios espirituais. Jejum, orações, leituras bíblicas, cânticos sobre conversão e arrependimento. É um tempo no Kairós de Deus para refazermos interiormente.
O Evangelho de São Marcos Mc 1.13 diz que o Senhor permaneceu quarenta dias sendo tentado por Satanás. O deserto do Senhor Jesus durou uma quaresma. Assim também Moisés ficou no monte do Senhor uma quaresma. Elias caminhou uma Quaresma até ter um encontro com Deus (I Reis 19.8). O povo de Israel caminhou quarenta anos no deserto. Jonas pregou que em quarenta dias Deus iria destruir Nínive (Jonas 3.1-10).
O número quarenta simboliza tempo de tentação, provação, sofrimento, arrependimento e preparação.
No início do terceiro século o batismo ocorria somente no domingo de Páscoa. Os catecúmenos (neófitos) ficavam em jejum e oração durante 40 dias em preparação para o santo batismo. Esta campanha de oração passou a ser praticada por toda a igreja, pois o Batismo estava associado a Páscoa.
A celebração da Páscoa era um grande culto a Deus que durava toda a noite pascal. Era considerada a mãe de todas as vigílias por Santo Agostinho. Temos mais de 20 sermões de Santo Agostinho pregados na Vigília Pascal.
Esta santa vigília tinha como preparação necessária a Quaresma. Era uma forma de acompanhar Jesus pelo deserto. Ter experiências com Deus no deserto. Para este período Inácio de Loyola escreveu o livro “Exercícios Espirituais”. Até hoje este livro é a base para os Retiros Quaresmais de muitas igrejas protestantes e católicas.
São Gregório Magno (c. 540-604), em sua “Homilias sobre os evangelhos”, nº 16 pregou sobre o início da Quaresma:
“Iniciamos hoje os santos quarenta dias da quaresma, e convém-nos examinar atentamente por que razão esta abstinência é observada durante quarenta dias. Moisés, para receber a Lei pela segunda vez, jejuou quarenta dias (Gn 34,28). Elias, no deserto, absteve-se de comer durante quarenta dias (1Rs 19,8). O Criador dos homens, ao vir para o meio dos homens, não tomou qualquer alimento durante quarenta dias (Mt 4,2). Esforcemo-nos também nós, tanto quanto nos for possível, por refrear o nosso corpo pela abstinência neste tempo anual dos santos quarenta dias [...], a fim de nos tornarmos, segundo a palavra de Paulo, «uma hóstia viva» (Rom 12,1). O homem é, ao mesmo tempo, uma oferenda viva e imolada (cf Ap 5,6) quando, sem deixar esta vida, faz morrer nele os desejos deste mundo. Foi a satisfação da carne que nos levou ao pecado (Gn 3,6); que a carne mortificada nos leve ao perdão. O autor da nossa morte, Adão, transgrediu os preceitos de vida comendo o fruto proibido da árvore. É por conseguinte necessário que nós, que fomos privados das alegrias do Paraíso pelo alimento, nos esforcemos por reconquistá-las pela abstinência. Mas ninguém suponha que esta abstinência é suficiente. O Senhor disse pela boca do profeta: «O jejum que Eu aprecio é este, [...] repartir o teu pão com o esfomeado, dar abrigo aos infelizes sem asilo, vestir o nu, e não desprezar o teu irmão» (Is 58,6-7). Eis o jejum que Deus aprova [...]: um jejum realizado no amor ao próximo e impregnado de bondade. Prodigaliza pois aos outros daquilo que retiras a ti próprio; assim, a tua penitência (arrependimento) corporal permitir-te-á cuidar do bem-estar físico do teu próximo em necessidade”.
Para Gregório a Quaresma era tempo de Jejum e tempo de caridade. Tempo de se abrir o coração para auxiliar na necessecidade do outro. Tempo de reflexão que me leva ao encontro do outro e no outro sirvo a Deus.
Um feliz e santa Quaresma.
Rev. Edson Cortasio Sardinha.
Irmã Marisa da Silva Fernandes Sardinha